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Somos iguais ou diferente dos homens?

Atualizado: 10 de mar. de 2020

Texto e desenho de Kithi.


Hoje, no dia institucionalizado para celebrar o dia das mulheres li muitas mensagens.


Uma delas dizia que a nossa sensibilidade no período menstrual é um estigma a ser vencido e desmistificado pois somos iguais aos homens.


De todas, essa mexeu comigo profundamente e me fez escrever.


Temos quatro pontos importantes: a língua portuguesa falada, a igualdade, o respeito a diferença e o estigma de gênero.


Vou começar este texto contando uma experiência que tive junto ao Povo das Cinzas, índios Nambikuaras, que vivem no Oeste de Mato Grosso e que tive a oportunidade de viver por um pequeno período de tempo.


Sabendo da vontade de uma das lideranças jovens de obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) eu disse: “vou te ajudar a tirar a carteira de motorista.”


Ele, um homem de uns 24 anos, forte e exímio caçador, me olhou e respondeu: “eu vou para casa e se você passar pela minha porta eu vou lhe dar uma flechada”.


Por mais de oito dias ele não veio me ver na casa da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e eu não podia passar a frente da sua casa.


Os Nambikuaras dominam a arte de fazer veneno. Tomar uma flechada significa morrer quase que instantaneamente. Eu jamais desafiaria a sua palavra.


Somente cinco ou seis pessoas falavam o português e todos eles silenciaram e nada disseram para mim.


E aquela frase me levava ao estado de agonia. Eu queria ir embora, mas sair da terra indígena naquele momento era impossível. Não tinha carro disponível.


Para lograr a chegar à cidade mais próxima tínhamos de atravessar uma área de fazenda de gado Nelore de mais ou menos 70km.


Não tinha opção. Tinha que suportar o mistério e achar a solução.


Como em todo lugar tem aquelas pessoas que se afeiçoam mais a gente, comecei a fustigar um índio mais próximo, que sempre me visitava, para me contar o que estava acontecendo.


Ele estava proibido de falar e isto tornava as coisas mais difíceis para mim. Mas, como nada é eterno, um belo dia soltou: “ele está muito zangado com você porque você disse que vai ‘tirar’ a carteira de motorista dele”.


Demorei de entender o nosso vício de linguagem de tão arraigado que se encontrava, e respondi: “Sim, vou ajudar a ele tirar a carteira de motorista com todo prazer. Ele precisa saber fazer baliza, meia embreagem e blá blá blá” e o rapaz ficou nervoso e zangado e me falou: “mas ele quer muito a carteira, você não pode tirar isto dele”.


Foi aí que tudo se fez claro e eu descobri que as palavras para o Povo Nambikuara tinham o peso do seu significado expresso. Ajudar a tirar a carteira significou para ele “eliminar a possibilidade” de obter o tão sonhado documento.


Então compreendi o paradoxo que provoca ruídos na linguagem e dificuldades na convivência. As palavras tem o próprio significado e tirar é “tirar” e não “dar”.


Até que eu explicasse esse hábito da linguagem falada foram horas de conversas intensas e, mesmo assim, eles não concordaram com a nossa prática.


Então, voltando para a mulher, quando ouço que as mulheres são iguais aos homens me contorço como índio Nambikuara.


Somos diferentes em tudo: na percepção de mundo, nos hormônios e no físico que inclusive nos garante o poder de gestar um novo ser e a eles não.


Quando propagamos que somos iguais estamos inclusive gerando argumentos para que sejamos menos respeitadas nas nossas questões de gênero como por exemplo a variação hormonal que provoca dores e dias de alta sensibilidade.


O estigma social, grosseiramente falando, é uma desaprovação de características que levam a marginalização e/ou a uma valorização negativa.


Um dos estigmas de gênero que atinge as mulheres está relacionada com a tensão pré-menstrual ou a tão falada TPM.


Sim. Nós a temos. Ficamos muito sensíveis, com dores no corpo muitas vezes, com menos vitalidade, com choro fácil...


A TPM não é um estigma a ser vencido, é uma condição a ser respeitada.


E a atitude de respeito, ou não, gera ações diferenciadas.


Para alguns povos o período menstrual é um momento que a mulher se retira dos seus afazeres para se conectar com a sua essência feminina, aumentando a sua intuição e sabedoria, que é utilizada para a harmonia dentro da comunidade.


Para outros povos, geradores do estigma, é uma “aberração” que faz cair a produção e consequentemente a diminuição do lucro.


Vivemos a segunda situação.


Para conseguir entender a realidade do outro é preciso viver essa realidade.


Como uma pessoa que sempre andou pode saber as dificuldades daqueles que não conseguem andar? Pode até entender por conviver, por observação, mas para saber de verdade, todas as nuances desse estado, teria que viver numa cadeira de rodas.


Um homem, por mais que queira, não tem como viver a delícia e a dor de ter um corpo feminino. Então eles apenas sabem por observação e convivência. E por sua vez, as mulheres não tem como viver a delícia e a dor de ter um corpo masculino.


Somos diferentes. Não iguais.


Ao decretar a igualdade estamos tirando de nós o direito de termos uma licença no período pré-menstrual e menstrual, uma das necessidades fisiológicas e espirituais que temos. Nossa produção pode cair em quantidade, mas se elevará em qualidade.


Sei que falar de qualidade em tempos de produtos chineses chega a ser uma brincadeira, mas é preciso retomar o pensamento do planeta como um ser vivo e olhar as diferenças como aporte necessário a harmonia planetária.


As coisas devem ser duráveis e não descartáveis. Chega de lixo.


O que temos de igual é a capacidade intelectual e a competência para executar as mesmas atividades e serviços feitos pelos os homens e vice-versa, mas somos diferentes deles.


Eu sou diferente e você? Deixe sua mensagem no nosso blog.

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