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Missa dos Vaqueiros - Mata de São João

Missa do Vaqueiro,
uma tradição sertaneja

A Missa do Vaqueiro é uma tradição nova em Mata de São João. Com dois anos de existência a cerimônia traz aspectos da missa realizada em Serrita, cidade de origem do costume; e Piranhas, onde a tradição começou em 1991. O fator tempo de realização da missa não diminui a importância do evento para a comunidade rural de Mata de São João, composta por um povo que cultiva a fé em Deus e o costume de atividades como a cavalgada, vaquejada, argolinha dentre outros.

Reportagem: Kithi / fotos e vídeos: Kithi e Edvaldo Passos
14/03/2019

Chegada em JK e entrevista com o vaqueiro Antônio Suadeira

No dia 10 de fevereiro quando chegamos ao Parque de Vaquejada Dr. Sérgio Mora Costa,  às 10:30h, em JK,  lugarejo pertencente ao município de Mata de São João, distante 10km do centro da cidade, já estava tudo organizado para a celebração da Missa do Vaqueiro.

A Missa do Vaqueiro, da forma que vivenciamos, é uma celebração recente no município, 

porém a reunião de vaqueiros e amazonas acontece todos os finais de semana. 

Chegamos cedo e enquanto esperávamos fui lembrar da minha infância junto ao meu avô vaqueiro, quando andar a cavalo era quase uma prática diária.

Cavalgada Muritiba 1980 .jpg

Olha eu aí gente... Quanto
tempo...Eu, meu pai e meus primos participando da cavalgada, uma das tradições de Muritiba, cidade da Bahia onde vivi até os 16 anos.

Mata de São João me faz lembrar de tantas coisas lindas da minha infância... Aja coração.

eu

Sr. Antônio Suadeira, vaqueiro, me emprestou o cavalo Pássaro Preto, que para minha surpresa tem o mesmo nome da nossa revista. Assum preto, pássaro preto e graúna são nomes de um mesmo pássaro. Alguns cientistas avisam que há diferenças, porém para a comunidade leiga são todos iguais. Diferenciam em tamanho, mas o canto é sempre melodioso e muito bom de se ouvir.

Canto do Assum Preto -
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Cavalgando em Pássaro Preto eu “voava” livre de pensamentos. Era só comunhão.

As senhoras vendendo iguarias, a enorme panela de feijão com um cheiro delicioso, o palco para a realização da missa e posteriormente apresentação das bandas convidadas para animar o festejo. Tudo estava em seus devidos lugares.

Os quitutes da Missa do Vaqueiro

Maria das Graças ou Ni, como é conhecida por todos na região, é a grande mentora da festa.

 

Nascida no dia de Nossa Senhora de Aparecida, 12 de outubro, Ni sempre seguiu a tradição da avó, devota da alma do vaqueiro, que antes de falecer entregou a neta a missão de continuar com a devoção.

Ela seguiu fazendo a celebração na igreja até a chegada de Padre Pedro há dois anos. Ele informou que a forma correta de celebrar a alma do vaqueiro seria com a presença dos cavaleiros e amazonas.

 

Foi então que Ni começou a organizar a festa com a ajuda da comunidade e assim nasce a tradição.

“Vaqueiro que é vaqueiro, amansa o gado e quer bem. Todo dia vai ao campo, e conta a boiada que tem. Quem não gostar de vaqueiro, não gosta de mais ninguém. Oh! Festa de gado. Êh, boi.” (aboio de Sr. Leonel Santos)

Ni falando a história da festa

André Avena fala da importância da tradição

Professor José fala da Missa do Vaqueiro de JK

Padre Pedro chega perto do meio dia. Muda, sabiamente, o local da missa devido a intensidade do sol. O aboio é entoado e a missa dos vaqueiros é iniciada. 

A poesia do aboio é feita com as passagens do dia-a-dia ou do momento. O cantador narra o que ele observa, o que ele vive.

Como diz Sr. Seu Leonel José dos Santos, 86 anos, vaqueiro das bandas de São José dos Ramos, na Paraíba: aboio “é o canto que o gado entende, que o gado ouve, é um canto penoso, boniiito... O vaqueiro cantando uns três aboio, mermo o gado tando longe, eles vêm”.

 

Click no botão abaixo, acesse a dissertação de Mestrado da pesquisadora Maria Laura de Albuquerque Maurício, local de onde tiramos as frases de Sr. Leonel, "ABOIO, o canto que encanta: uma experiência com a poesia popular cantada na escola", e leia mais sobre a riqueza desse canto.

Conhecedor das tradições brasileiras, o padre traz para a celebração canções diversas como Cálix Bento, uma adaptação da folia de Reis, do mineiro Tavinho Moura e várias músicas de Luiz Gonzaga.

No ofertório é utilizado o chapéu de couro para a arrecadação em dinheiro. Os alimentos doados, em parte, vem da colheita do que foi plantado. Geralmente o vaqueiro também cultiva a terra para consumo próprio.

Ao final o padre utiliza um ramo de folhas para benzer cavalos, cavaleiros e amazonas. Recebe Nossa Senhora Aparecida no palco, a padroeira da festa, e a missa é encerrada com a Ave Maria Sertaneja, de Luís Gonzaga.

Fragmentos da Missa do Vaqueiro 

No município de Mata de São João é raro ver os homens “encourados”, vestidos com gibão, perneira, chapéu de couro. Como é raro de se ver a mata que era preciso vencer para pegar a rês desgarrada.

Sr. Eduardo, o vaqueiro mais velho de Mata de São João.

Hoje, o chapéu é o boné, as roupas são mais leves, mas o espírito, o amor e a alma dos vaqueiros continuam trilhando o mesmo caminho de sintonia com a lida do campo.

Vaqueiro atual sem vestimenta de couro.jpg

Vestimenta do vaqueiro atual

Após a missa os cavaleiros e as amazonas saem para cavalgar e retornam uma hora depois para dançar ao som de bandas locais, beber, comer... se divertir. 

Missa dos Vaqueiro - Mata de São João 50.jpg

Início da Tradição da Missa do Vaqueiro no Nordeste

A Missa dos Vaqueiros é uma tradição nascida no sertão pernambucano depois da morte de Raimundo Jacó em 8 de julho de 1954.

 

O vaqueiro que foi morto de forma traiçoeira, por obra da inveja de um outro vaqueiro, era primo de Luiz Gonzaga.

 

A tradição teve início em 1971, quando o Padre João Câncio rezou a primeira missa dos vaqueiros no local da tragédia, Sítio da Lage, caatinga do município de Serrita, localizado no alto sertão do Araripe, a 553 quilômetros do Recife. O lugar já era visitado por romeiros que afirmavam terem alcançado "milagres"graças a Raimundo Jacó.

 

Evento idealizado por Luiz Gonzaga, que cantou a saga do vaqueiro, a homenagem ganhou mundo.

 Click no botão e ouça a canção que Luiz Gonzaga fez para o primo vaqueiro.

Para descrever o vaqueiro Raimundo Jacó vamos utilizar o texto de Pedro Henrique Moraes Ferreira, presente na monografia de conclusão do curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, “A Morte do Vaqueiro”, nem uma letra a mais ou a menos poderia poetizar o homem/herói, o vaqueiro de Pernambuco.

 Click no botão e  leia a monografia na integra

“O cavaleiro vinha pelas estradas. Povo sabia: havia de ser Raimundo Jacó. Os vaqueiros aposentados corriam a mão em seus gibões empoeirados e relembravam histórias de valentia.

 

As damas, ainda solteiras, aos gritos chamavam as irmãs para verem quem lá vinha, com força e tangendo o gado. Da janela admiravam. E o Sertão se fazia um pouco mais alegre naqueles momentos. Fazia-se mais encantado. Ele saudava a todos, feliz e sertanejo.

 

Na cabeça, o chapéu de couro redondo, enfeitado e firme. No peito, o gibão. Nas pernas, as perneiras encouradas. As mãos recebiam as luvas de couros. E os pés, velhas botas de lida. Terno do Sertão.

 

Cavalo, homem, cachorro. Na frente, vinha o gadinho, berrando. Era um cenário. Quadro desenhado na retina de quem viu ou quem imagina a cena.

 

Cada bicho, com sua história. O homem, bicho mor, misturava-se aos outros. A racionalidade dividia as espécies. Ser humano comandante. Mas no fim, depois dos meios, a cena era em conjunto. E o carinho de cada animal para com cada outro irmão era bonito de se ver.

 

Raimundo amava seu cachorro, seu cavalo e seu gado de lida. Eles adoravam a Raimundo Jacó. Talvez seja mesmo a arte do amor que fez desse vaqueiro o mais afamado da região. Não havia boi que Raimundo não encontrasse perdido na catinga. Não havia novilha que conseguisse esconder a cria de seu vaqueiro mestre.

 

Olhos de águia, que via pelos arranha-gatos dos cariris? Ou sensibilidade de se imaginar o translado do gado naquele momento de campear?

 

Parece mesmo coisas de conversas entre eles: homem e bicho. Mas prosa de coração, de sensibilidade e carinho. Como diz Guimarães Rosa:

"Cavalo deles conversa cochicho-que se diz- para dar sisado conselho ao cavaleiro, quando não tem mais ninguém por perto, capaz de escutar. Creio e não creio".

A Missa do Vaqueiro de Serrita acontece todo mês de julho e é uma das maiores festas populares de Pernambuco. Tem xote, baião, comida típica, artesanato, repentista... e antes de tudo tem a fé que sustenta o sertanejo.

A Missa do Vaqueiro em Piranhas 

Em Piranhas, estado de Alagoas, também acontece a Missa dos Vaqueiros. Em 2000 acompanhei a tradição e escrevi o texto abaixo para o informativo do Xingó, programa onde atuava como pesquisadora da Área Temática Gestão Ambiental, Educação Ambiental e Trabalho.

Missa dos Vaqueiros - Piranhs Velha

A hóstia no dia da Missa do Vaqueiro se transforma em queijo coalho, carne assada, farinha e rapadura e é servida na cuia de coité

Foto documental arquivo Kithi

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Missa do Vaqueiro em Piranhas, Alagoas, no ano de 2000. Arquivo foto documento: Kithi

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