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Shadow on Concrete Wall

Kithi

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Modelando Gente:
a arte de
Dalva Bonfim

Foto de Kithi

em 19-07-2020

" Gente é muito bom / Gente deve ser o bom / Tem de se cuidar / De se respeitar o bom" (Caetano Veloso)

Modelar gente é o ofício de Dalva Bonfim. Ela modela o barro como modela as pessoas que desfrutam de seus cursos e do espaço sagrado do seu Ateliê Terra Cozida.

 

Por várias razões parece fácil tudo que Dalva faz, mas modelar o barro e modelar pessoas, especiais ou não, são tarefas que exigem da artista técnicas e estudos em diversas áreas do conhecimento.

Dalva não esconde nada. É tudo às claras. Ela oferece o pulo do gato para você aprender a moldar o barro e ao mesmo tempo moldar a si próprio, através das descobertas que a arte e a modelagem permitem.

 

A caminhada de Dalva como artista é longa. Ela começou bem antes da graduação em Licenciatura, Desenho e Plástica pela  Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia na década de 80. Acompanhando o labor da sua mãe durante a infância, uma operária da construção civil, foi plantada a semente que florescia anos mais tarde, na sua maturidade.

Como a atividade de operária da sua mãe, o principal campo de atuação da artista, modelar o barro, é uma área pouco reconhecida e pouco valorizada no Brasil.

A herança brasileira de cozinhar a terra vem dos povos indígenas, onde o trabalho era feito prioritariamente pelas mulheres. Com a colonização, a cerâmica passou a ser marginalizada, sendo vendida nas piores áreas das feiras públicas, afinal era uma atividade feita por mulheres indígenas ou negras para atender a necessidade de outras mulheres, da mesma origem, que estavam nas cozinhas.

 

O lugar da cerâmica sempre foi o da marginalidade ou da arte utilitária 

E ainda tem um outro agravante, por ser uma atividade feita por mulheres para atender a demanda de outras mulheres, que quase nunca dispunham de dinheiro em mãos, a cerâmica custava barato demais, podemos dizer que fazer e vender a produção de argila era quase um ato de solidariedade.

Consequentemente a cerâmica no Brasil ainda não conseguiu alcançar a dimensão de importância que é dada em outros países como por exemplo a Inglaterra. 

E talvez, por ter que enfrentar tantas dificuldades para emplacar e viver daquilo que mais gostava de fazer, modelar o barro, Dalva se fechou para a a arte por um tempo e se dedicou a outras atividades, mas na sua alma pulsava o desejo de voltar para a terra. E voltou. No final da década de 90 reabriu seu atelier e começou a trabalhar.

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Fotos retiradas do Facebook do Ateliê Terra Cozida

Foi no Ateliê Terra Cozida que Dalva encontrou a jornada de sua alma. O amor por seus alunos especiais transformou a sua vida, a sua arte, a sua forma de ver, compreender e viver esse mundo. A tornou especial.

Inicialmente, quando abriu o Ateliê, ela queria projetar seu trabalho como artista mas não sabia exatamente como fazer e pra que fazer, foi então que bateu a sua porta a primeira aluna especial. Dalva jamais tinha imaginado trabalhar com esse público, mas como é próprio da sua personalidade receber de braços abertos quem a procura, ela aceitou o desafio. 

E mesmo sem saber ao certo o que fazer Dalva foi buscando entender as necessidades da aluna que progredia, apesar das limitações, e logo chegou mais um, mais outro, mais outra... "de repente tinha um grupo que trabalhava e melhorava juntos", afirma a artista.

Fotos retiradas do Facebook do Ateliê Terra Cozida

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Cássia, 15 anos no Ateliê 

Tadeu, 11 anos de parceria

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Melina, 16 anos de companheirismo

Vanessa e sua persistência

Munida de dúvidas Dalva queria entender o processo que fora envolvida sem que procurasse, então ela começou a questionar o movimento que passou a viver: qual a relação dessas pessoas com o barro, será que era o material que transformava as pessoas? Ou era a metodologia que ela estava aplicando por intuição? Ou era os dois, o barro e a metodologia? E por quê ela foi envolvida nesse trabalho que não tinha experiência alguma?

E para entender os movimentos de si e do outro a artista resolveu fazer o curso de Pós-Graduação em Neuropsicologia pela Faculdade Metropolitana de Curitiba, lastro que ela precisava para criar uma metodologia própria, diferenciada e especial utilizando a argila como elemento de transformação e de inclusão social para grupos de alunos com alteração neurológica, mudando o desenvolvimento cognitivo e a socialização dos participantes.

 

Trocando em miúdos: com paciência, dedicação e apoio das famílias Dalva ensina aos seus alunos modelar, pintar e ser responsável por suas vidas, dando-lhes espaço e confiança a cada conquista. Assim, Tadeu abre o atelier, todos ganham seu dinheiro com a produção anual que é vendida nas feiras antes do Natal, como a Made in Bahia, e para participar da feira é preciso ser responsável para com a sua produção, cumprindo horários e fazendo tudo com dedicação e esmero. 

Para construir a metodologia Dalva fez um trabalho minucioso, diria antropológico. Para cada aluno um diário onde a artista escreve tudo que se passa nos mínimos detalhes, incluindo as observações, que é a sua reflexão para cada situação.

 

Eu pude experimentar a leitura do diário que ela fez da minha filha Sophia, que mesmo não sendo especial no sentido neurológico, estudou um período com Dalva quando era pequenina. Eu queria mostrar a ela que todos somos iguais e capazes. Uma experiência cujo resultado é visível agora na sua adolescência.

"Quem me dera, ao menos uma vez, que o mais simples fosse visto como o mais importante" (trecho da música Índios de Renato Russo que você pode ouvir clicando o botão abaixo)

E com a simplicidade das mulheres sábias Dalva ensina técnicas complexas e para cada aluno ela tem uma mensagem. Independente da situação, os olhos avistam tudo. Eis abaixo algumas das declarações públicas da artista.

" Parabéns Cássia!!! O desafio foi grande! Com você fui à luta pra mudar sua história e sem contar quantos passos seriam necessários para caminhar, caminhamos juntas. E com sede de aprender, você mudou sua trajetória de vida! Com você aprendi, que o amor nos torna fortes e o que parece difícil, fica tão fácil!!!"

"Parabéns Melina!!! Minha companheira de todos esses anos!!! Um presente, uma caixinha de surpresas, pronta para aprender. E num esforço contínuo só cresce, cresce cada vez mais!!! E hoje, me surpreende, com seu tamanho progresso, com sua interação com a família, com os amigos e com o mundo!!!"

"Parabéns Vanessa!!! Sua persistência, sua força de vontade sem limites, pode lhe levar para onde quiser!!!

"Depois de 6 anos, no trabalho contínuo, onde a persistência da família junto às técnicas do Ateliê Terra Cozida, eis que surge, o indivíduo capaz! Tadeu!!! Você conseguiu!!! Parceiro, colaborador, amigo!!!"

E para além do Atelier Dalva construiu parcerias com artistas plásticos, com empreendedores, com admiradores e declara para todos, sem os quais, as conquistas seriam impossíveis: "Parabéns a todos os alunos capazes, artistas que aprimoram seu trabalho no nosso espaço. Para quem foi na feira e comprou nossos produtos e levou para casa a nossa energia vibrante de garra, de vida e de muito amor. Parabéns Vera Pontes, da Feira Made in Bahia, por acreditar e apostar em nós. Você, faz a grande diferença nessa sociedade!!!! Que essa oportunidade que nos é confiada a cada ano, nunca lhe traga decepção."

E eu sou uma dessas artistas plásticas que aprendo com Dalva, agora na pandemia, ela oferece aula online. Eu fiz, é uma maravilha, confere lá no Instagram da Revista Assum Preto o vídeo que fizemos desse momento e o resultado final. 

A Arte de Dalva Bonfim

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Fotos cedida pela artista

Gente é o assunto que chama a atenção do imaginário da ceramista Dalva Bonfim. Das esculturas inspiradas em figuras humanas até o trabalho de arteterapia com alunos especiais, a artista aprendeu a arte de "modelar gente" em várias dimensões.

 

Suas esculturas versam o corpo humano nas suas mais variadas formas e expressões, principalmente quando as pessoas estão trabalhando. Os operários são por ela exaltados. Por vezes contracenam com outros elementos como no projeto Risco que traz blocos brancos como recurso que excita o pensar para o conflito cotidiano. 

Dentro desse ambiente Dalva esboça um conceito em torno de sua obra, trazendo o risco da atividade do operário para ser sentido pelo espectador. O esforço, a busca, as escaladas e as posições das suas esculturas instiga o re-conhecimento desse universo pouco valorizado pela sociedade, mas ao mesmo tempo colocando-o no lugar de valor, sem o qual nada seria erguido.

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Fotos de Kithi

Ao ser questionada por um professor sobre o fascínio pelos operários, Dalva percebeu que eles representavam a infância ao lado de sua mãe, uma mulher que passou a vida inteira construindo e reformando casas. Uma operária da construção civil. 

"As pequenas esculturas de terracota, lembram a minoria, na pequenez desses seres, dentro de uma sociedade onde o risco é fato, num espaço expandido. A eminência de perigo, da destruição, da queda, da fragilidade, é constante no cotidiano. As pequenas esculturas parecem obedecer a uma única ordem, conquistar o seu espaço" (Giovana Dantas)

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Foto de Kithi

A obra de Dalva ocupa um lugar diferenciado, ela não pertence a corrente do Design que aponta e valoriza a cerâmica como uma arte utilitária, tampouco pertence a arte primitiva das suas ancestrais na modelagem, mas sim, ocupa um lugar dentro das artes visuais que tensiona e impõe ao espectador um diálogo instigante sobre conflitos do cotidiano, modificando a percepção sobre as possibilidades do barro .... e como diz Matilde Matos, Crítica de Arte,  "a expressão corporal das figuras de Dalva Bonfim asseguram o conceito da instalação, que não precisa de texto para ser entendida".

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