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BEMBÉ DO MERCADO, A MEMÓRIA DA LIBERDADE

Em 13 de maio de 1888 o Brasil celebra a abolição da escravidão fervorosamente,  porém os quase quatro séculos de cativeiro continuam impactando a sociedade contemporânea e a luta pela "liberdade" é contínua.

A alforria concedida aos negros incomodava aos senhores de engenho do Recôncavo. Eles  pressionavam pela manutenção da escravidão e lutavam pelo direito a indenização por danos provocados pela Lei Áurea.

Para afirmar o direito à liberdade, desde 1889, um ano após a abolição da escravidão, que o povo de santo do Recôncavo Baiano bate os atabaques na rua para reverenciar, celebrar e agradecer aos Orixás.

 

O Bembé do Mercado, candomblé de rua iniciado por João de Obá, é uma tradição de resistência, de afirmação e de tomada de consciência do processo de libertação do sistema escravocrata do Brasil.

 

O movimento acontece anualmente no mês de maio na cidade de Santo Amaro e tem como força impulsionadora e realizadora os terreiros de Candomblé.

 

Em 2016, o projeto de extensão Cultura e Negritude da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), com decisão conjunta com a comunidade, passa a ser realizado no mês de maio, junto com o Bembé.  A programação cuidadosamente elaborada inclui encontros, debates e roda de saberes e formação.

O 13 de maio vem se consolidando, no meio universitário e político, como espaço de reflexão em torno do racismo e todas as consequências advindas dessa situação.

Reportagem: Kithi 

Vídeos e fotos: Edvaldo Passos e Kithi

Edição: Antônio Gentil

13 de maio de 2019

Fotos do Bembé - 2019 / by Kithi

O grande dia

 A Princesa Isabel assina a Lei Imperial n.º 3.353  ou Lei Áurea, declarando extinta a escravidão no Brasil, mandando todas as autoridade cumprir e fazer cumprir a nova regra e autorizando uma ampla divulgação.

Os jornais e revistas da época direcionavam o olhar para o fato. O processo abolicionista iniciado com a Lei Eusébio de Queirós de 1850 parecia ter chegado ao fim. Mais do que nunca, celebrar a vitória era preciso.

No Rio de Janeiro a Gazeta de Notícias informa formalmente a decisão enquanto a Revista Ilustrada celebra uma nova era.

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Fonte: Biblioteca Nacional Digital

Na Bahia os festejos duraram dias, com samba em alguns engenhos, com filarmônicas nas ruas e foguetório. A reação primeira é  comemorar, afinal no curso da luta foram criadas expectativas por dias melhores após a libertação.

 

No exemplar de 19 de maio de 1888 do periódico O Asteróide: orgam da propaganda abolicionista, de Cachoeira, é possível sentir a atmosfera do Recôncavo no momento que a Lei foi aprovada.

Fonte: Biblioteca Nacional Digital

O dia 13 era então um marco para o país, um dos últimos a acabar com a escravidão. Porém o fato se deu mais por pressões econômicas, políticas e internacionais do que propriamente por questões humanitárias.

No ano seguinte os jornais expressavam a necessidade de solução para a fome e para a quantidade de imigrantes no Recôncavo. O Diário do Povo do dia 14 de maio de 1889, se referindo a Cachoeira e a Bom Jesus de Madre de Deus, afirma:

 

"os jornais d'esta cidade, em sua condição de hoje, citam muitos casos de morte a fome, a imigração continua. Já não será bastante? Já não será tempo de se providenciar seriamente?"

Aos poucos a celebração do 13 de maio foi se apagando. Passados três anos as luzes das casas já não eram acesas, a banda não mais passava, o foguetório desapareceu... A euforia foi transformada em lamento.

Mas para o povo de Santo Amaro o que foi plantado por João de Obá criou raiz, fortaleceu a fé e se tornou resistência e união. Apesar da fome e do descaso João de Obá permaneceu, está vivo na força da manutenção da memória contra o esquecimento, na beleza de todos os candomblés estarem juntos num só Xirê, num só canto, num só "presente", formando um só povo.

130 anos de Bembé do Mercado

Bembé do mercado 2018 

Conforme a tradição oral, conta-se que João de Obá, homem trazido da África para trabalhar na lavoura de cana-de-açúcar, respeitado por ser sábio conselheiro e dominar a arte do Ifá (jogo de búzios), resolveu juntar seus filhos e filhas de santo para na rua afirmar a liberdade batendo o candomblé em espaço público da cidade.

 

Há 130 anos nasce o Bembé do Mercado. Durante 3 noites inteiras João de Obá e seus filhos tocaram os atabaques, cantaram e dançaram. Ao final da celebração o presente para Yemanjá foi entregue com a ajuda dos pescadores.

 

Zilda Paim, professora e historiadora autodidata santamarense, lembra em seus textos, que desde João de Obá é inexistente o estado de transe durante o Xirê do Bembé (dança circular), o que torna o candomblé de rua um ato político. Se a liberdade foi concedida pela lei, a cidadania, o ir e vir e a vida em sociedade é um direito.

Hoje, na vasta programação de sete dias, o movimento religioso que mobiliza mais de quarenta terreiros de candomblé, divide o espaço com shows, apresentações teatrais, dança, capoeira, maculelê, debates, diálogos, palestras e homenagens.

 

O espaço do Bembé do Mercado continua sendo o lugar de resistência, de afirmação, de luta e muito mais, também é o lugar de encontros, de trocas de saberes, de comunhão, de aprendizado.

 

É o espaço da memória que constrói o que somos enquanto brasileiros, de onde viemos e principalmente, o respeito que se quer enquanto povo cuja diversidade cultural enche a vida de beleza.

Princesa Adedoyin da Nigéria fala sobre o Bembé.

Cultura e Negritude

O Cultura e Negritude, realizado em novembro de 2013, é o primeiro evento institucional realizado pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) no município de Santo Amaro.

A data escolhida para a realização do encontro tinha como referência o mês da consciência negra, e por conta do bembé do Mercado, a data foi remanejada para o dia 13 de maio.

Mãe Manuela fala sobre a importância da universidade em Santo Amaro

Com o título Agô, Motumbá, Mucuiú, Kolofé, um pedido de benção para a nação Nagô, para a nação Bantu e para a nação Jejê é iniciada as atividades do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas.

O ato simbólico ​teve a intenção de colaborar para a chegada respeitosa e solidária da universidade no município, e ao mesmo tempo, uma forma de reconhecimento da cultura local e um convite para o diálogo entre os saberes.

Integrando a agenda da promoção de ações afirmativas, em 2016, o evento passou a ser realizado no mesmo período do Bembé do Mercado, por decisão conjunta com a comunidade.

O  Cultura e Negritude promove encontros, debates e rodas de saberes e formação em espaços diversos e fora dos muros da universidade. É um dos momentos que a universidade está no mercado, nas escolas de segundo grau, nas colônias de pescadores...

 

As rodas de saberes e formação é uma metodologia de ação, criada e aplicada pelos Professores Rita Dias e Cláudio Orlando, que possibilita a reflexão coletiva, independente do grau de instrução formal dos participantes. Nessa perspectiva todos os saberes são tratados com o mesmo grau de importância. Todos ouvem, todos falam, todos trocam saberes.

 

   "A oralidade é uma prática, uma metodologia, uma pedagogia potente. Tão potente que nós temos uma memória que a memória escrita não alcança" (Daiara Tukano)

Daiara Tukano fala sobre as Rodas de Saberes e Formação

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